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O padeiro, a democracia e a cidade
Por Robert Moses Pechman
As cidades tornaram-se modernidade o lugar fundante da condição política de qualquer sociedade. Talvez, por isso, possamos inferir que estas tenham se transformado nas grandes parteiras da democracia. Evidencia-se, então, que sem democracia a cidade fracassa, pois perde uma de suas principais características, que é a produção de relações. As cidades, em seu poder de multiplicar relações, assim como em suas possibilidades de vínculos e abertura para o diálogo, se tornaram, na sociedade moderna, a grande oportunidade de se experimentar novas formas de uma transcendência já perdida e que fora sustentada pelo Estado, pela religião e pela família. É assim que a cidade vai deixando de poder transmitir sua derradeira herança, que a configurava como lugar da reunião, do encontro e da negociação pelo destino dos homens e da sociedade. É, portanto, a “condição humana”, diria Hannah Arendt, ou seja, os “assuntos humanos” que estão em jogo na cidade, revelando a catástrofe do definhamento da política e a falência do mundo compartilhado que dá significado à aglomeração urbana. Trata-se, por conseguinte, da precarização de pertencimento ao coletivo.
Faz todo sentido que pensemos, então, que para além do socius, a urbanidade e a sociabilidade pública estejam tanto na raiz da cidade como na da democracia. Assim, torna-se fundamental, para a compreensão, tanto da cidade quanto da democracia, a percepção de como os “afetos urbanos” são negociados. Por isso mesmo, o reconhecimento do Outro, a tolerância, a confiança, a amizade pública, a hospitalidade e o compartilhamento, que tanto precisam do mundo e da visibilidade dos assuntos humanos para florescer, são as possibilidades dadas para a democracia se atualizar a cada momento histórico. Nesse sentido, democracia, cidade e cidadania podem conviver numa mesma frase, quase como se fossem sinônimos.