nº 35 ano 9 | Dezembro 2018
Entrevista

Gentrificação e turistificação em Lisboa:

da financeirização das políticas urbanas à luta urbana

Com Luís Filipe Gonçalves Mendes e Heitor Vianna Moura

Alfama, Lisboa, 2018. De longe é possível escutar o ruído das malas que se arrastam pela rua dos Remédios, assim como a conversa em alemão daqueles que buscam pelas ruelas o alojamento que servirá de morada provisória durante sua estadia. Antes deles, turistas italianos haviam passado a bordo de um tuk-tuk e um grupo de espanhóis percorria o bairro na companhia de um guia. Se antes a invasão de turistas era sentida apenas no período das férias de verão europeias, hoje a multidão de visitantes faz parte do cotidiano do tradicional bairro lisboeta, que se transforma para recebê-los. Os antigos casarios foram reformados e adaptados para o alojamento turístico, as tradicionais tascas passaram a apresentar o menu em diversos idiomas, os mercadinhos locais começaram a aceitar cartão de crédito de bandeira internacional e as lojinhas de souvenir se multiplicaram.

Só no ano de 2017, Lisboa recebeu mais de 4,5 milhões de turistas, feito que foi comemorado pelos investimentos que atraiu, pelos empregos que gerou e pelas oportunidades de negócio que promoveu. Nem todos, no entanto, parecem estar satisfeitos com a situação. Entre os descontentes, se destacam aqueles que, depois de décadas morando e trabalhando nos bairros históricos e centrais, se veem obrigado a entregar suas casas e seus negócios para os turistas e investidores estrangeiros. A insatisfação é percebida nas conversas cotidianas, nas palavras de ordem grafadas nos muros – “Stop Despejo” e “Tourist go Home” – e nas denúncias da população autóctone veiculadas nos meios de comunicação.

Para conversarmos sobre o fenômeno que assola diversas capitais turísticas do mundo, o pesquisador Luís Felipe Gonçalves Mendes do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa nos recebeu no seu gabinete no dia 20 de julho de 2018. Com uma larga experiência em pesquisas sobre gentrificação, regeneração urbana e turistificação e uma ativa participação em movimentos sociais que lutam pelo direito à habitação e à cidade, o geógrafo apresenta ao público brasileiro uma análise rigorosa sobre as dinâmicas do capitalismo global, os efeitos locais da gentrificação turística e as possibilidades de luta e de resistência. As ilustrações, por sua vez, foram cedidas por coletivos atuantes na cidade – Habita, Morar em Lisboa, Stop Despejo e Lisboa Does Not Love – ou capturadas pelo entrevistador.

Gentrificação e turistificação em Lisboa:
Luís Filipe Gonçalves Mendes
luis.mendes@campus.ul.pt
Licenciado em Geografia e mestre em Estudos Urbanos pelo Departamento de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Luís Mendes atuou como Assistente Convidado na Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa (2005/2006), na Escola Superior de Educação de Lisboa (2010/atual) e no Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa (IGOT-UL) (2012/atual). Desde 2003, exerce funções de investigador permanente no Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa (CEG/UL) do IGOT-UL, onde tem desenvolvido investigação nos domínios dos Estudos Urbanos (nomeadamente na gentrificação, regeneração urbana e turistificação), da Didática da Geografia e das Metodologias do Ensino e Aprendizagem da Geografia. É autor de artigos, comunicações, capítulos de livros, pareceres e relatórios técnicos. Em 2005, teve a qualidade de seu trabalho reconhecida pela Associação Portuguesa de Geógrafos com a entrega do Prêmio Amílcar Patrício.
Heitor Vianna Moura
(entrevistador)
é mestre em Sociologia pela Universidade de São Paulo e doutorando em Planejamento Urbano e Regional na Universidade Federal do Rio de Janeiro, com passagem pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.