nº 32 ano 8 | Março 2018
Resenha

A eletricidade dos corpos contra a eletricidade do capitalismo

Por Eduardo Miranda Silva

Na ressaca do pós-Cinema Novo, não faltaram, nas fileiras da crítica em jornais e revistas e na academia, detratores que apontassem os cacoetes de cineastas de classe média na abordagem do que se entende como “povo”, “operário”, “trabalhador”. Na perspectiva do que se poderia entender por direita, o dramaturgo Nelson Rodrigues afirmou que Glauber Rocha finalmente evidenciou, em Terra em transe (1967), que o então ente sagrado povo é “débil mental”; que, quando a ele é dado o poder de fala, ele apenas se expressa em uma “pausa ensurdecedora”. No diapasão da crítica da esquerda empenhada em reformular o olhar do cineasta sobre o denominado “povo”, o crítico e professor da USP Jean-Claude Bernardet constatou que era preciso avançar em relação à perspectiva ingênua do cinema sobre o operário e utilizou como exemplo negativo Cinco vezes favela (1962). Sintomaticamente, quase cinquenta anos depois, Cacá Diegues, autor de um dos episódios do filme, decidiu promover e produzir a visada da juventude periférica sobre ela mesma em 5X favela – agora por nós mesmos (2010).

Ainda na esteira das últimas décadas de transformação nas ciências humanas e sociais, o cinema mundial – no âmbito da produção mais artística, preocupada com questões culturais – sentiu o impacto da transição da macropolítica para a micropolítica, do olhar distanciado da História cedendo espaço à aproximação antropológica entre o que se convencionou chamar de sujeito e objeto (nesse caso, cineasta e filmado). No Brasil, a virada antropológica pode ser observada no documentário Cabra marcado para morrer (1964, 1984), realizado em um período de vinte anos e que traz a marca das mudanças no fazer fílmico. O diretor Eduardo Coutinho, como narra Bernardet no livro Cineastas e imagens do povo, parte de uma concepção sociológica, quando inicia o filme nos anos 1960 e decide, já nos anos 1980, quando finaliza o filme, aproximar-se “perigosamente” dos filmados, entender de modo menos “esquemático” as questões familiares de um tema essencialmente político, o das Ligas Camponesas na ditadura militar do Brasil.

A eletricidade dos corpos contra a eletricidade do capitalismo
Eduardo Miranda Silva
edumirando@gmail.com
é jornalista, mestre em Comunicação Social e doutor em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela PUC-Rio.