nº 27 ano 7 | Dezembro 2016
Entrevista

Gentrificação na França

Considerações sobre a gênese e história do conceito na sociologia urbana francesa

Com Catherine Bidou-Zachariasen

e-metropolis: Você foi uma das primeiras pesquisadoras a estudar, no início dos anos de 1980, os processos de gentrificação na França. Como começou o seu interesse por este tema?

Catherine Bidou: No início dos anos de 1980 eu ainda não conhecia este termo. Comecei a trabalhar as classes médias e suas práticas urbanas que eram relativamente originais e especificas. Minha tese era sobre este grupo. Ou melhor, sobre as novas classes médias, ou seja, o estrato social que emergiu após a II Guerra Mundial, principalmente ligado à expansão do setor público associado ao estado de bem-estar social e do setor terciário. Nós vimos esta classe social emergindo de maneira verdadeiramente importante entre as décadas de 1950 e 1970, sem conseguir classificá-la como parte da burguesia nem da classe operária, então era realmente um estrato social que os sociólogos tinham dificuldade de definir e de identificar.

Eu e outros pesquisadores tínhamos interesse em estudar especificamente as escolhas residenciais desse grupo. Elas se concentravam tanto nos municípios periurbanos, quanto nos antigos centros urbanos que tinham passado por processos de abandono e degradação. Em Paris, o Quartier d’Aligre, localizado no centro da cidade, já era nos anos 1980 um bairro que estava em curso de gentrificação, mas como eu não conhecia a teoria na época, tudo o que eu descrevi e analisei foi uma prática em que eles compravam moradias antigas e degradadas, depois as renovavam, e a partir daí construíam uma nova identidade para o bairro. O que antes era um espaço operário e artesão, um pouco abandonado, passou a ter uma nova identidade.

Anos depois eu me debrucei sobre a literatura anglo-saxã que já vinha analisando fenômenos urbanos parecidos com esse há algum tempo. No final dos anos de 1980, eu pesquisei o Quartier Saint-Leu na cidade Amiens, que estava em processo de renovação, e com isso eu reencontrei a problemática das classes médias que se apropriavam de áreas centrais degradadas. E foi a partir das leituras que fiz nesta época, que eu utilizei pela primeira vez em um capítulo de livro o termo “gentrificação”. Na mesma época, eu conheci, ao participar de seminários sobre estudos urbanos, uma jovem pesquisadora que tinha terminado sua tese sobre o Quartier Saint-Georges na cidade de Lyon. Ao debatermos, encontramos fenômenos parecidos sobre a reapropriação de antigas moradias degradadas – principalmente operárias – pelas novas classes médias. Então percebemos que tínhamos encontrado o mesmo tipo de processo urbano nas duas cidades. Como nós estávamos lendo e nos apropriando dos estudos ingleses, passamos a utilizar o termo “gentrificação”.

Gentrificação na França
Catherine Bidou-Zachariasen
é uma das primeiras pesquisadoras a trabalhar sobre a emergência das novas classes médias e dos processos de gentrificação nos grandes centros urbanos na França. Socióloga e pesquisadora emérita do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), foi diretora entre 1999 a 2009 do Institut de Recherche Interdisciplinaire en Sciences Sociales (IRISSO) da Universidade Paris-Dauphine (Paris IX).