nº 17 ano 5 | Junho 2014
Ensaio

Desafios à corporificação do direito à vida no espaço urbano da metrópole carioca

Por Débora Santana de Oliveira

Em certa passagem do artigo A burrice do demônio, Hélio Pellegrino afirma que “Paz é virtude coletiva, política, edificada com os outros. Ela implica, portanto, e de maneira radical, respeito ao Próximo, escuta atenta, modéstia”.

Na busca pela “paz” nas metrópoles – espaços por excelência onde mecanismos de poder se ocultam sob modelos dominantes de “ordem” urbana que, via de regra, asseguram a (re) produção do espaço a partir de intencionalidades construídas pelos e para os grupos hegemônicos - muitas são as estratégias discursivas e representacionais acionadas a fim de conformar imaginários sociais que recusam a força estruturante da dialética entre permanências e rupturas inscritas na materialidade e no cotidiano dos indivíduos que as habitam.

Na metrópole carioca, o discurso localista do restabelecimento da “paz” tem contribuído para ocultar processos que legitimam as execuções sumárias, estigmatizam grupos populacionais, destroem a sociabilidade, mascaram a luta pela existência em contextos antagônicos construídos por sucessivos processos de modernização que ignoram a necessidade de melhoria das condições básicas da vida urbana.

Nos processos de (re)organização do palco onde a história do homem plenamente se realiza a partir das manifestações da existência – o espaço, muitas vezes, boa parte da população não se vê ou não consegue participar das decisões que incidem sobre o seu cotidiano e, via de regra, obstaculizam a corporificação de direitos, isto é, a materialização na dimensão individual irredutível do corpo, do sujeito de direitos previsto e garantido nas normativas jurídicas em matéria de direitos humanos, aqui e agora.

A corporificação dos direitos humanos adere à situação imediatamente vivida e/ou experimentada cotidianamente pelos sujeitos em diálogo com o conjunto dos atores e de agentes que tecem as tramas e os dramas inerentes às disputas, ações e lutas políticas em torno dos usos, contornos e controles sobre o espaço.

Deste modo, as práticas discursivas e operacionais que fazem referência ao sujeito de direitos na sua forma abstrata e a um espaço vazio de relações, terminam por incrementar o quadro de violações de direitos existentes, tal como temos assistido na metrópole carioca na atualidade. Onde estão as linhas que separam o “nós” e o “eles”? Estamos falando de uma humanidade comum, na qual se reconhece direitos iguais? Ou de uma humanidade que é direito de alguns, enquanto outros são expulsos dela?

Desafios à corporificação do direito à vida no espaço urbano da metrópole carioca
Débora Santana de Oliveira
é doutora em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR/UFRJ. Pesquisadora do Observatório da Prostituição IPPUR/UFRJ e do Grupo de Estudos em Geografia Política, Gênero e Sexualidade IGEO/UFF/Niterói.