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Reciclando percepções: olhares sob o céu do Morro do Céu
Por Joana Cruz de Simoni e Karinna Paz
A questão da produção desenfreada de lixo na sociedade moderna é um problema há muito discutido e ainda carente de soluções eficientes, bem como a ocupação desordenada em áreas totalmente à margem da regulação pública. O lixo, produzido principalmente nas grandes cidades, não desaparece, não se desintegra instantaneamente, nem tampouco vira poeira a partir do momento exato em que é descartado de nossas casas – embora muitos assim o percebam. Este certamente não é o caso das comunidades que vivem no entorno dos vazadouros de lixo e com este convivem cotidianamente.
O presente ensaio foi feito em uma destas comunidades, na área que circunda o aterro controlado do Morro do Céu, no bairro de Caramujo, em Niterói - RJ. O aterro foi criado após a desativação do lixão do Morro do Bumba, na década de 1980, para receber os resíduos do Município de Niterói, uma vez que os custos do transporte até Gramacho, em Duque de Caxias/RJ, eram muito elevados. Nas chuvas de abril de 2010, o aterro do Morro do céu chegou a ser desativado temporariamente, por conta de deslizamentos de terra nas áreas ao entorno; no entanto, hoje em dia, está funcionando a pleno vapor.
Algumas visitas foram feitas ao local, buscando registrar como a presença de um verdadeiro morro erguido pelo lixo refletem na paisagem urbana de uma área que encontra-se a apenas 7 Km do centro de Niterói, mas que ainda parece um pouco esquecida, um pouco abandonada, um pouco intocada – apesar de por ali passarem resquícios (partes? lembranças? restos?) da vida de toda a cidade. Para tal registro, adotou-se um método que, de certa forma, vai ao encontro do tema aqui tratado. Ao invés de câmeras tradicionais, as câmeras utilizadas neste ensaio foram produzidas dando uma nova vida a objetos que poderiam estar aumentando o volume do aterro do Morro do Céu.
Assim, através de uma técnica fotográfica conhecida como pinhole, foram construídas máquinas fotográficas artesanais. Para tal, objetos que seriam descartados, como latas de leite em pó vazias, caixas de papelão e até mesmo uma caixinha de fósforo já utilizada, transformaram-se em câmaras escuras que permitem a formação da imagem no filme ou no papel fotográfico (ambos funcionando como os negativos da fotografia). Ora, para que haja fotografia, é preciso que haja luz. Deste modo, o processo básico da fotografia se completa através da luz que entra por um pequeno buraco feito com uma agulha – motivo pelo qual a técnica foi batizada de pinhole, pois o termo, em inglês, significa “buraco de agulha”.
Não foi raro o espanto de catadores de lixo, trabalhadores do aterro, crianças saindo da escola ou famílias indo a igreja ao notarem nossa presença. Mais ainda quando contávamos que o que tínhamos em mão era uma máquina fotográfica! Contudo, assim como a existência do lixo é uma coisa que incomoda, por vezes, nossa presença também incomodava, uma vez que há muitas restrições no que tange a fazer registros de um lixão ou aterro e das atividades a eles vinculadas.
Este ensaio, no entanto, não tem a pretensão de ser um ensaio-denúncia, nem tampouco expressar uma realidade concreta, dura, plana. A intenção é, tão-somente, a de captar percepções deste espaço urbano marginalizado, através de experimentações fotográficas que, de certa forma, por sua metodologia, encontram-se contextualizadas a este ambiente. É por isso que a percepção do espaço, aqui, é por vezes fora de foco, sobreposta, invertida, fosca.