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Luz y fuerza: um olhar sobre a capital portenha
Por Isabel Paz
A experiência fotográfica pode ser muito mais quantitativa do que qualitativa. Em “Sobre fotografia”, Susan Sontag transcorre sobre a postura dos turistas comuns em suas viagens de lazer, que nos anos 1970, quando o livro foi escrito, não era muito diferente da atual: fotografar, a esmo, a paisagem viva vista somente através das lentes. A isto ela relaciona uma espécie de violência visual, que nos envolve sem que percebamos. Empunhamos as câmeras fotográficas como armas, para mirar (“atirar”) uma imagem (nosso “alvo”). O clique é nosso dedo apertando o gatilho. As expressões que empregamos rotineiramente, como “bater” ou “tirar” uma foto, dão uma ideia dessa agressividade. Deixamos de olhar para o que está ao nosso redor para somente dele arrancar imagens.
Produzi este ensaio em março de 2012, durante minha primeira visita a Buenos Aires. Não havia lido Sobre fotografia e a pouca experiência que tinha relacionada à fotografia se restringia a algumas tentativas amadoras com a Nikon D60. Minha atitude para com a cidade não era muito diferente da dos turistas de Sontag: câmera em punho, um revólver sem munição. Na velocidade desses gestos, porém, vinha o interesse de me ater a detalhes que enriqueciam a visita, como se fossem pequenos souvenirs.
O eurocentrismo às vezes entorpece nossa visão de mundo e cria em nós expectativas ilusórias. Quando se apelida Buenos Aires de “Paris Sul-Americana”, espera-se que ela guarde semelhanças com a capital francesa, o que de fato se dá na elegância dos traçados dos bairros mais abastados, como Palermo e Recoleta. Mas os paralelos não são restritos à estética urbana. Assim como as marcas de tiros nos muros das construções parisienses, deixadas durante as guerras do século XX, Buenos Aires carrega também um passado pleno de cicatrizes que se deixa mostrar aos mais atentos.
Na tentativa de capturar essas miudezas ocasionais, vieram também os contrastes que habitam a cidade portenha, essas cicatrizes expostas a céu aberto, que passam despercebidas a alguns olhares estrangeiros. A herança dos povos indígenas, dizimados durante a colonização, resistente nos traços de personagens fotografados ao acaso; a “luz y fuerza” de um país que vive às turras com a inflação descontrolada; a consciência política de protestos e greves, cujas marcas se escancaram nos gradis da Casa Rosada, acompanhada da paixão tenaz pelo futebol.
Gosto de pensar neste ensaio nos termos de James Hillman. Destas fotografias surgem pequenas pistas de uma experiência urbana possível, formas traduzidas em luz, como “pequenas e sensíveis coisas que dão vida à sua alma como uma cidade de alma e espírito, de sensibilidade e inspiração”. Outras serão as imagens a partir de outros olhares, de outras experiências. Eis as minhas.