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Teses sobre a urbanização
Por Neil Brenner
No começo da década de 1970, um jovem sociólogo marxista chamado Manuel Castells (na época, exilado em Paris), iniciou sua intervenção, que logo se tornaria um clássico, A Questão Urbana, ao declarar seu “espanto” que debate a respeito dos “problemas urbanos” que estavam se tornando “um elemento essencial nas políticas de governos, nas preocupações da mídia de massa e, consequentemente, no dia-a-dia de grande parte da população” (1977 [1972]: 1). Para Castells, esse espanto surgiu da sua perspectiva marxista ortodoxa, que pressupunha que a preocupação pelas questões urbanas eram ideológicas. Acreditava que o verdadeiro motor da mudança social residia em outro lado, na ação da classe trabalhadora e a mobilização anti-imperialista. Sobre essa base, Castells procedeu a desconstruir aquilo que via como a “ideologia urbana” predominante sob o capitalismo gerencial do pós-guerra: sua teoria levava a sério a construção social do fenômeno urbano no discurso acadêmico e político, mas em última instância associava essas representações com processos supostamente fundacionais, relacionados com o capitalismo e o papel do estado na reprodução da força laboral.
Quatro décadas depois da intervenção clássica de Castells, o discurso sobre as questões urbanas presente na primeira parte do século XXI pode provocar facilmente um assombro similar: não porque marcara as operações do capitalismo mas porque se tornou uma das meta-narrativas dominantes, por meio da qual se interpreta (tanto em meios acadêmicos quanto na esfera pública) nossa atual situação planetária. Hoje, a educação interdisciplinar avançada nas ciências sociais, planejamento e desenho está florescendo nas principais universidades, e os temas urbanos estão sendo debatidos energeticamente por historiadores, críticos literários e outros experts da área de humanas. Da mesma maneira, os cientistas físicos e computacionais e ecologistas, contribuem para o desenvolvimento dos estudos urbanos por meio de suas explorações de informações baseadas em satélites, análises geo-referenciadas e tecnologias de sistemas de informação geográfica (sigla em inglês: GIS), que oferecem perspectivas mais diferenciadas sobre as geografias da urbanização (Potere e Schneider 2007; Gamba e Herold 2009; Angel 2011). Alguns textos clássicos, como “Morte e vida das grandes cidades americanas” (1965) de Jane Jacobs e “Cidade de quartzo” (1991) de Mike Davis, seguem animando as discussões sobre urbanismo contemporâneo, e mais recente, livros populares sobre cidades, como “O triunfo da cidade” (2011) de Edward Glaeser, “Bem-vindos à revolução urbana” (2010) de Jeb Brugmann e “Quem é a sua cidade?” (2008) de Richard Florida, junto com documentários como “Urbanizado” (dir. Gary Hustwit; 2011) e “Megacidades” (dir. Michael Glawogger; 1998), são amplamente discutidos na esfera pública1. A Exposição Universal de 2010, celebrada em Shangai sob o lema “Uma melhor cidade, uma melhor vida”, e grandes museus, exposições, e bienais de Nova York, Veneza, Christchurch e Hong Kong dedicam grande atenção às questões da cultura urbana, desenho e desenvolvimento (Seijdel 2009; Kroeber 2012; Madden, forthcoming). O Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Urbanos (ONU-Habitat 1996) declarou o advento de uma “era urbana”, gerada pelo rápido crescimento da população mundial2 nas cidades. Essa visão urbano-cêntrica do atual momento geo-histórico se popularizou por meio de uma série de conferências temáticas desenvolvidas em algumas das principais metrópoles do mundo, que foram organizadas e financiadas mediante uma iniciativa conjunta da London School of Economics e o Deutsche Bank (Burdett e Sudjic 2006). Até os debates sobre as mudanças climáticas e o futuro da biosfera estão sendo conectados com assuntos sobre a urbanização. Agora se reconhece que o entorno construído do planeta – em efeito, a infraestrutura sócio-material da urbanização – contribui diretamente para estabelecer transformações transcendentais na atmosfera, os hábitos bióticos, as superfícies do uso da terra e as condições oceânicas, o que produz consequências a longo prazo para o metabolismo das formas de vida humana e não-humanas (Luke 1997; Sayre 2010).
Essas reorientações intelectuais e culturais coincidem temporalmente com uma série de transformações espaciais, reposicionamentos institucionais e mobilizações sociais em larga escala, que têm intensificado o significado e a magnitude das condições urbanas.