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Corpos d’água, caixões de concreto
Por Pablo Pimentel Pessoa
Rios são as cicatrizes no semblante da paisagem urbana às quais a sucessão de cirurgias plásticas de produção do espaço jamais lograrão apagar. Maria Cecília Gorski delineia em seu livro Rios e cidades: ruptura e reconciliação o percurso lento e tortuoso de aprendizado dessa lição ao longo do século passado e do princípio deste. O livro é derivado de sua dissertação de mestrado defendida em 2008 na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie (São Paulo, SP).
Gorski faz um apanhado histórico de como os centros urbanos, em especial, brasileiros e norte-americanos, foram se desenvolvendo e percebendo, nos traços de natureza residuais, problemas a serem equacionados: inundações, desbarrancamentos, proliferação de vetores, insalubridade e contaminação hídrica. As soluções encontradas para tais entraves ao desenvolvimento, quase sempre pensadas de forma setorial nas instâncias administrativas, resultavam em supressão da complexidade patente. Assim, é retratado um capítulo - comum à história de muitos aglomerados urbanos - de ruptura dessa relação rio-cidade. Entregues à pastas disciplinares do conhecimento e à setorização burocrática decisória, sistemas fluviais e cadeias intrincadas de fluxos de matéria e energia foram reduzidos a canais, leitos retificados, diques de proteção, dragagens e aterros empobrecidos ou destituídos de cobertura vegetal.